sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Há Certas Obras de Arte

Há certas obras de arte, e o cinema é a sétima arte, que uma avaliação inicial pode não fazer justiça. Mas o tempo, que tudo desgasta, vai peneirando as coisas e, depois de crescido, colhe-se o trigo, não o joio. Truman era autêntico, talvez múltiplo, menos que unigênito. E a sua angústia alimentada paulatinamente envolve menos o lado trágico do seu psiquismo edípico, que a dimensão de uma denúncia social, um alerta. Sim, Truman tem os seus irmãozinhos, como por exemplo: o Winston Smith de George Orwells e o Selvagem de Aldous Huxley. Contudo, cada um deles também difere entre si, sendo que o que eu coloquei em pauta foi o primeiro e é sobre ele que eu quero pensar. O mundo de Truman do ponto de vista do autor será um apelo a se libertar de um universo fechado e alienante por uma atitude demasiado. Verdadeira? A "true" de Truman parece ser uma "lie" (mentira) para o resto do mundo que o assiste de suas telinhas. O Éden que lhe é imposto à sua revelia, uma utopia de Christoph, que o dirige secretamente num estilo que Foucault diria panoptical, vai se mostrar acanhado com o tempo.
A cumplicidade de todos os moradores da ilha Seahaven, um imenso cárcere privado para ele, estimulava a ambivalência de ter o produtor do programa um dia derrotado, como acontece finalmente. A ilha não era um Estado, mas uma gaiola dourada do capital, um "marketting" de cada coisa que se usava e consumia. Caso não fosse irreal, seria caracterizável como um "ghetto" e objeto da lei. Robinson Cruzoé estava bem melhor que Truman em sua solidão. Exceto por Sylvia Lauren que lhe revelou a farsa de 30 anos : a ilha era uma ficção que o colocava, desde o nascimento no centro de um palco, aliás a tela da TV que editava o "reality show"de sua vida para todo o mundo. Todos o traíam e Sylvia é logo afastada dele à força como se fora uma louca. E é o amor a ela que, correspondido, vai lhe dar forças para lutar e se libertar do seu cativeiro. Christoph sim era um ensandecido que, não se sabe como, mantém - no aprisionado naquele lugar por tanto tempo sonhando com Fiji no outro lado do mundo, a simbologia de escapar para o mais longe possível dali. Estuda-se, pois, a questão da alienação social mantida pela má-fé de uma superestrutura que lhe nega o direito de escolha, admitindo que sabe o que lhe é melhor. E isto envolveria todo o seu ciclo vital do nascimento à morte passada ao vivo pela TV como numa novela da nossa Rede Globo. “Ao tentar fugir, enfrenta uma tempestade fictícia em alto mar e os seus controladores alarmados com a persistência de Cristoph quase ao afogá-lo, exclamam:” Não podemos deixá-lo morrer ao vivo. "
Mas não era o que iria acontecer? O valor que estava em jogo aliás, não era só a vida biológica, mas a existência de Truman confinado àquela situação-limite. Truman, em outra circunstância qualquer, quando não adotado por uma empresa, onde ele era filho de uma empresa em que poderia ter escolhido aquela ilha para viver. Mas, ele era uma excluída em sua própria terra, habitante de uma "caixa preta" que o deixava transparecer para todo o planeta. Há apenas um momento de liberdade no fim do filme quando atinge com um barco a parede da cúpula que o encerrava em seu mundo artificial. Cristoph tenta convencê-lo a ficar. Mas ele, voltando-se para as câmaras, inclina-se como um ator e se despede da platéia e do seu algoz que nem se interessa por conhecer. Vai para a sua Sylvia que assistindo o "show" pela TV o esperava além da porta. Mas se alguém me disser que este filme aborda o mesmo tema de Shangri-lá, talvez às avessas, eu discordaria. O tema exclusão social é abordado nos dois, admito. Mas em, Shangri-lá, uma minoria supostamente melhor e mais inteligente, debanda de sua responsabilidade de compartilhar com toda humanidade do destino por ela escolhido. Com Truman é o oposto. Como os grandes benfeitores da humanidade, citemos apenas Madre Teresa de Calcutá e Albert Schweitzer, Truman não sabe o que vai encontrar além da porta de seu casulo. Está mais desamparado que o príncipe Sidarta após conhecer a doença, a miséria e a morte. Vai "True man”! Além do teu mundo há outro mundo. E o seu apelo é o mesmo do amor que buscavas nos olhos de Sylvia laboriosamente procurados através de recortes de revistas, como se estivesse compondo um retrato- falado. E sob as lágrimas delas, assistindo-te pela TV.
Um Jim Carrey diferente e fenomenal. "O Show de Truman" é uma aula de cinema! Um filme inteligente, divertido e cativante. O maior injustiçado do Oscar em 99, com a ausência de indicações, principalmente de melhor filme e de melhor ator para um Jim Carrey simplesmente fantástico. Filme genial de Peter Weller, que não fazia um filme bom deste "A Testemunha". Sem contar a atuação perfeita de Jim Carrey, que prova ser um excelente ator e não só um comediante. Um filme que dá uma lição para esses programas que fazem de tudo para ter audiência, principalmente desrespeitar o próximo. Filme emocionante e inteligente. Vida longa a filmes deste tipo. Metáfora de Deus? Crítica ao poder de influência da Mídia? Questionamento sobre os limites da invasão de privacidade?Metáfora sobre o próprio cinema? "O Show de Truman" não decepciona quem procura um filme intrigante sobre qualquer dessas temáticas. O único senão é Carrey, mais fraco que o resto, mas não o suficiente para fazer o filme desmerecer nota 10. Esse filme não é apenas bom, é espetacular. Lembro da primeira vez que fui vê-lo no cinema, no início sem saberes direitos sobre o que se tratava e achando que seria uma comédia. Claro com Jim Carrey no papel principal é a primeira coisa a se pensar. Mas depois que saí do cinema percebi o quão emocionante, inteligente, e bem feito e escrito ele era. A história, muito mais dramática do que engraçada, é a maior crítica à vida moderna e ao poder de manipulação dos meios de comunicação sobre a sociedade. Jim Carrey está excelente, mas sempre do jeito canastrão. O filme não deixa de ter cenas engraçadas, como a da mulher dele fazendo propagandas para as câmeras. A sincronia perfeita dos “atores" da cidade cinematográfica. Este filme deve ser visto deste ponto de vista e não achar que é uma comédia, provavelmente não vai ser atingido por ele. A trilha sonora é demais e dá mais um toque ao filme.
Enfim, é de fato um filme fantástico! Um grande roteiro de Andrew Niccol e até revolucionário para a época do filme quando apenas estava começando a surgir no mundo e começando a se discutir a privacidade, a vigilância, o "Big Brother". Um filme que discute bem as questões de escolha, de confiança, de amor e da crueldade, do controle da sociedade moderna e principalmente da ética. Muito bem dirigido por Peter Weir todas as cenas do filme são maravilhosas. O elenco é espetacular. Jim Carey faz um dos melhores personagens de sua carreira, destaque também para Laura Linney e ed Harris. Um grande clássico passado em qualquer aula de psicologia e de cinema nas faculdades mundo afora. Esse filme é uma grande aula de bom cinema. Uma mistura precisa de comédia e drama. O final é apoteótico e magistral! Está na minha lista dos tops 10 dos anos 90. Imperdível. Uma frase de Christof resume, para mim, a que veio "O Show de Truman". Quando perguntado pelo entrevistador como Truman havia permanecido dentro do show por tranta anos, Christof responde que "ele não questiona a realidade que lhe é apresentada". E não somos assim todos nós? Vejo meus vizinhos aqui ao lado entretidos com o tradicional churrasco de domingo, e percebo que eles também não questionam a realidade que lhes é oferecida. Somos todos assim, nossas vidas hoje resumidas ao trabalho e ao consumo. Nenhum tempo gasto com o que realmente vale a pena na vida, qualquer um de nós facilmente permaneceria no show por 60 anos. Mas não Truman. Ele é o herói, desses que só aparecem no cinema. O único personagem verdadeiro do show (Truman = True Man?) é o menos real de todos, quando derruba a máxima de Christof e rejeita o mundo que o cerca. Talvez uma lição a ser aprendida. Um filme obrigatório, para ser visto e revisto!Em tempo, parabéns à Paramount pelo descaso de lançar o filme em formato Widescreen não anamórfico!
DADOS IMPORTANTES SOBRE A OBRA:
• Título original:The Truman Show
• Gênero: Drama
• Duração: 01 hs 42 min
• Ano de lançamento: 1998
• Site oficial: http://www.truman-show.com
• Estúdio: Paramount Pictures
• Distribuidora: Paramount Pictures / UIP
• Direção: Peter Weir
• Roteiro: Andrew Niccol
• Produção: Edward S. Feldman, Andrew Niccol, Scott Rudin e Adam Schroeder
• Música: Philip Glass e Burkhart von Dallwitz
• Fotografia: Peter Biziou
• Direção de arte: Richard L. Johnson
• Figurino: Marilyn Matthews
• Edição: William M. Anderson e Lee Smith
• Efeitos especiais: The Computer Film Company / Cinesite Hollywood / EDS Digital Studios.

ELENCO:
Fim Carrey (Truman Burbank)
Ed Harris (Christof)
Laura Linney (Meryl)
Noah Emmerich (Marlon)
Natascha McElhone (Lauren Garland / Sylvia)
Holland Taylor (M�e de Truman)
Brian Delate (Pai de Truman)
Blair Slater (Jovem Truman)
Peter Krause (Lawrence)
Heidi Schanz (Vivien)
Ron Taylor (Ron)
Don Taylor (Don)
Paul Giamatti (Diretor da Sala de Controle)
Philip Baker Hall (Executivo).



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djralphfernandes@hotmail.com
RALPH FERNANDES

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